Pecuária leiteira: trajetória da exposição de gado desde os primeiros anos da imigração holandesa

A Expoleite sempre fez parte da trajetória dos imigrantes holandeses, que chegaram em Arapoti (PR) no início da década de 60. Reportagem especial conta como foram as primeiras edições da feira com base nos relatos dos pioneiros

“Eu participei da primeira feira de gado em Arapoti. Exposições assim já eram tradição na Holanda. E, desde então, nunca falhei. Ajudava o meu pai a trazer as vacas a pé. Na volta para a casa, nós as soltávamos das cordas e elas voltavam sozinhas. Já sabiam o caminho da volta”.

A lembrança acima é de Frederik Kok, 80 anos, pioneiro da imigração holandesa em Arapoti (PR). Ele veio com sua família da Holanda para o Brasil quando estava com 17 anos. Era início da década de 60 quando ele, juntamente com os pais e os irmãos, começou a vida em Arapoti (PR).

Imigração

A exposição do gado, que mais tarde passou a ser chamada de Expoleite, sempre fez parte da vida de Teuntje Johanna Bronkhorst Elgersma que tinha 12 anos quando veio com a família de navio para o Brasil, em 1962. Os pais dela eram produtores de leite na Holanda e resolveram tentar uma nova vida em outro país.

“Lembro da noite em que o meu pai voltou de uma reunião que ouviu sobre a imigração para o Brasil. Um tempo depois, um pastor que servia a comunidade de Carambeí foi para a Holanda e fez uma apresentação de slides com explicações sobre a imigração e como seria a vida em Arapoti. Ele explicou que o começo não seria fácil, mas que tinha tempo para construir um bom futuro. O meu pai não tinha terra própria, era tudo alugada. A família não tinha condições de comprar um terreno, mas queria um futuro melhor para os filhos, por isso, decidiram ir para o Brasil”, recorda.

Dentro de um container de madeira que veio no navio vieram todos os móveis da casa, inclusive berços e cobertores, além de materiais de uso pessoal a serem utilizados na chácara. Teuntje nunca irá esquecer do que o seu pai disse dias antes da partida. “Lembro do meu pai nos falar: ‘Vamos para um país estranho, onde não conhecemos nada, nem o português sabemos falar. Se tivermos alguma dificuldade, ao menos vamos sentir como se estivéssemos em casa, será tudo como era quando morávamos na Holanda’”.

A despedida dos que ficaram também ficou marcada nas memórias de Teuntje. “Foi um momento difícil, deixamos muitos familiares. Felizmente conseguimos revê-los um tempo depois”.

Primeiros desafios

Mesmo trabalhando com a pecuária leiteira no país de origem, muitas famílias vieram para o Brasil para tentar a agricultura. As primeiras vacas só foram compradas logo depois.

Entretanto, dificuldades causadas por diferentes motivos, desde os recursos financeiros, até a qualidade dos solos, falta de estradas e de acesso à água, frustraram os planos de muitos imigrantes recém-chegados, conforme aponta o historiador Osvaldo Carneiro de Matos Neto, do Museu Imigrante Holandês, em pesquisa realizada para a exposição temporária inédita durante a 50ª Expoleite de 2024 com base nos livros escritos pelos próprios pioneiros holandeses.

Segundo o historiador, no começo dos anos 60 houve quebras sucessivas na safra de arroz causadas, principalmente, por uma grande seca que atravessou o período, dificultando ainda mais os primeiros passos da recém-fundada Cooperativa Agropecuária Arapoti Ltda, a Capal.

Exposição de gado no barracão de armazenagem da Capal. Acervo Museu Imigrante Holandês

Julgamento do gado de raça holandesa no barracão da Capal em 1977.
Acervo Museu Imigrante Holandês

O primeiro bezerro fruto da inseminação artificial, 1970.

Início da pecuária leiteira

Diante das dificuldades encontradas com a agricultura, os produtores decidiram comprar as primeiras vacas da raça holandesa e começaram a produzir leite, assim como já faziam as colônias de Carambeí e Castrolanda. Os primeiros animais foram comprados pelos pioneiros entre os anos de 1960 e 1961.

Em sua pesquisa, o historiador Osvaldo aponta que esse foi o primeiro passo para a conquista de uma pequena estabilidade econômica por parte dos imigrantes de Arapoti, que logo passaram a reunir-se anualmente, em locais improvisados, para discutir as práticas da pecuária leiteira. O evento ficou conhecido como o ‘Dia da Exposição de Gado’ e a sua primeira edição foi realizada em 1963.
A exposição foi reconhecida anos depois, em 1977, pelo Governo do Estado do Paraná, devido ao padrão dos animais apresentados. Na ocasião, o jornal O Estado do Paraná publicou um suplemento exclusivo que trazia o título ‘Arapoti: exemplo de pecuária leiteira. 11ª Exposição-Feira Especializada de Gado Leiteiro de Arapoti, 1ª Exposição Regional Oficializada’.

“Naquela ocasião, foram expostos 196 animais, pertencentes a 13 diferentes pecuaristas. Para a realização do evento foi designado um dos armazéns da Capal, coberto e mais amplo”, informou o historiador em sua pesquisa.

Parque de Exposições

O reconhecimento da Expoleite levou à construção de três barracões onde hoje é o Parque de Exposições da Capal. A inauguração aconteceu em março de 1983 durante a realização de mais uma edição da feira. Naquele ano, segundo Osvaldo, o evento durou três dias e contou com a participação dos expositores das demais colônias dos Campos Gerais, Carambeí e Castrolanda.

Leendert Noordegraaf conta que fazia parte do Conselho de Administração da Capal quando os barracões foram construídos. Ele se recorda de como foram as tratativas para a construção de um local próprio para a realização da feira. “Naquela época, o Sr. Lucas Salomons era presidente da Capal e, até então, nós tínhamos realizado as exposições em espaços limitados. Devagar nós fomos construindo um parque próprio para expandir a feira a cada ano”, relatou.

Um pouco após a inauguração do parque, Leendert assumiu como presidente e orgulha-se do trabalho realizado pelo Conselho de Administração. “Foi um orgulho que conseguimos, a partir de um pequeno grupo que fez um esforço para continuar e com a ajuda dos gerentes, no tempo que eu estava era o José do Couto Costa Filho (Zé Couto)”.

Mas antes de fazer parte do Conselho, Leendert já havia participado de umas primeiras edições da feira, em 1967. “Participei com apenas uma vaca que ganhamos do meu sogro. Mas não ganhou”, brincou.

A primeira vitória veio anos mais tarde, na década de 80, quando a vaca de Leendert, chamada de Elske, foi a Grande Campeã Preta e Branca na Expoleite, além de levar o título de campeã nacional em São Paulo naquela época.

Colecionadores de Arapoti expõe seus tratores antigos relembrando a labuta dos imigrantes nos anos iniciais.

O produtor Adriaan F. Kok premiado como o Melhor Expositor e Melhor Criador da raça Holandesa da variedade vermelho e branco na 50ª Expoleite.
Cowsdiário Fotografia

Vacas leiteiras de Sr. A. Kok durante julgamento em exposição pecuária em 1969.
Acervo Museu Imigrante Holandês

Lembranças que a Expoleite traz aos pioneiros

Para Frederik e Teuntje, citados no começo da reportagem, é um orgulho grande participar das exposições e ver como a feira cresceu com o passar dos anos.
“Eu estive em todas as edições. O meu pai sempre me ensinou desde pequeno a trabalhar, fiz com os filhos o mesmo e os netos estão seguindo o mesmo caminho levando as vacas todos os anos”, recordou Frederik.

Para Teuntje, a Expoleite é vista por ela como um dia festivo. “Lembro de quando a exposição ainda era realizada perto da linha de trem, onde as vacas eram amarradas em postes de eucalipto. Desde sempre foi um evento que reúne famílias, pais, irmãos, mas também amigos e conhecidos”, disse Teuntje.

Os filhos dela, Ronald e Nicolaas, seguiram os passos da família e continuaram com a pecuária leiteira participando, inclusive, das exposições todos os anos. “É uma honra sempre participar. Meus filhos fizeram parte do Clube de Bezerras e eu não sonhava que eles também chegariam até aqui”, destacou.

Hilbert Kok é irmão de Frederik e conta que os filhos dele foram um dos primeiros a participar do Clube de Bezerras. “Tenho cinco filhos, dois homens e três mulheres. E eles são mais fanáticos por vaca que o próprio pai deles. Desde que participamos da Expoleite, nunca perdemos uma vaca no caminho de volta para a casa. Como elas já sabiam o caminho da volta, chegavam antes que nós”, brincou Hilbert.

O pioneiro Yde van der Goot conta que chegou no Brasil em 1965 e lembra das primeiras exposições que eram realizadas a céu aberto. “As vacas eram acomodadas em estacas de madeira que ficavam presas ao chão”, recorda.

Charlotte Groenwold Bosch define a Expoleite como um ‘encontro de gente’. “Desde que estou em Arapoti, eu vinha na exposição para ver pessoas. E eu vejo que o evento tem ficado cada vez mais amplo”.

Uma das lembranças de Jan Egbert Borg é de 1963 quando ainda plantava arroz na área onde hoje é o Parque de Exposições. “Eu era jovem na época, tinha 20 anos, e hoje vejo que não foi em vão ver o que virou a cidade de Arapoti. É legal ver todo mundo alegre em um evento que está crescendo. É um bom sinal, mostra que nós trabalhamos e fizemos de Arapoti um belo lugar para viver”, explanou.

O produtor de leite, Sybren de Jong, também veio da Holanda e relata que sempre gostou de vacas, mas que sua família já nem tanto. Ir na Expoleite todos os anos despertava nele o sonho de ser produtor um dia. “Quando eu era menino sonhava em ter um pedaço de terra para criar as minhas vacas. Isso era tudo para mim, sempre sonhei com isso. Então eu ia na Expoleite e ficava desejando isso. Hoje eu consegui realizar o sonho. A exposição faz parte da nossa colônia, nós sempre participamos. A união faz isso”, destacou.

Informações complementares sobre a 50ª Expoleite:
Esta tradicional feira do gado holandês em Arapoti/PR é promovida anualmente pela Capal Cooperativa Agroindustrial e atraiu mais de 20 mil visitantes em sua 50ª edição em julho de 2024.
O Grande Campeonato é uma etapa do julgamento credenciada junto à Associação Brasileira de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa (ABCBRH), que integra o Circuito Nacional da Raça Holandesa. Dentre os concursos há destaque para o Melhor Criador e Melhor Expositor. Ainda no campo das premiações, são anunciados os cooperados vencedores do Concurso de Silagem e do Prêmio Qualidade do Leite.

No julgamento do Clube de Bezerras, crianças e jovens participam com seus animais jovens e disputam anualmente a Copa dos Apresentadores. Esta competição reúne os filhos de colaboradores e associados da Frísia, Castrolanda e Capal, que se apresentam nas feiras das três cooperativas.

Visitantes prestigiam palestras, encontros de produtores e o estande da Capal, onde conhecem os produtos fabricados pela cooperativa. Expositores com soluções agrícolas e maquinários modernos marcam presença com novidades e lançamentos. Além da praça de alimentação, produtores locais estiveram na Galeria Comercial. O Museu Imigrante Holandês (MIH) esteve presente com a exposição intitulada “Do balde ao pé à robotização: o legado da pecuária leiteira da Capal na Expoleite”.

Nesta 50ª Expoleite teve ‘Café com Bolo’, reunindo alguns dos primeiros cooperados holandeses que chegaram no Brasil na década de 60. Durante o encontro, eles relembraram momentos marcantes desde a primeira edição da exposição.

Na copa dos apresentadores os pequenos sucessores da atividade pecuária disputam o prêmio.

Na 50ª Expoleite o juiz de pista canadense Mike Farlinger se diz impressionado com o alto nível do gado brasileiro. Cowsdiário Fotografia

Exposição do Museu Imigrante Holandês sobre o legado da pecuária leiteira da Capal na Expoleite.

Família Elgersma e equipe com a vaca Halley Rebite 309, a Campeã Vaca Jovem e Grande Campeã da raça holandesa variedade preta e branca da 50ª Expoleite. Cowsdiário Fotografia

Créditos do texto levemente adaptado: Jornalista Luana Souza/Capal e Comunicação Capal
Matéria publicada na revista De Regenboog nº 305, agosto de 2024.

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