O Manto Tupinambá
No ano de 2024, o Museu Nacional da Dinamarca doou ao Museu Nacional no Rio de Janeiro um manto tupinambá. A peça é considerada extremamente rara, é feito de penas vermelhas do pássaro guará costuradas em uma malha por meio de uma técnica ancestral do povo tupinambá. O manto mede cerca de 1,80 metro e tem 80 cm de largura. Existem apenas outros dez mantos deste tipo no mundo, todos em museus europeus. Depois da devolução deste manto, Dinamarca ainda manteve a posse de outros quatro! A devolução ao Brasil foi considerada tão importante que, em 2025, até uma escola de samba de São Paulo, Acadêmicos de Tucuruvi, escolheu este feito como samba enredo. Os Tupinambá foram um dos primeiros povos indígenas a ter contato com os europeus. Eles habitavam várias aldeias ao longo de uma larga faixa do litoral atlântico e enfrentaram guerras de extermínio, tomada de território, escravização, conversão religiosa e a imposição da língua portuguesa. Mesmo assim, resistiram e, ainda hoje, lutam para manter seu identidade no sul da Bahia.
Em 13 de maio de 1644, João Maurício partiu de Cabedelo (Paraíba) a bordo do navio Zutphen, retornando para Holanda. Era o mesmo navio que o trouxe ao Brasil. Outros 12 navios acompanharam o Zutphen. A carga era avaliada em 2.6 milhões de florins. Não está claro se esta valor era a soma de todos os navios ou somente do navio Zutphen. A bagagem pessoal de João Maurício era transportada em dois navios! A carga era bem diversificada, contendo, entre outros, 30 cavalos pernambucanos, conchas e seixos, redes, utensílios, frutas cristalizadas e ADORNOS INDÍGENAS. Não sabemos como João Maurício adquiriu estes adornos, se ele os comprou, trocou, ou recebeu de presente, mas sabemos que havia amizade entre a tribo dos Tupinambá e o conde.


Quadro póstumo de Mary Stuart (1662-1695), pintado por Adriaen Hanneman. Ela casou aos 15 anos com seu primo Guilherme III de Orange-Nassau (1650-1702) e se tornaram rainha e rei da Inglaterra. Guilherme também era governador da Holanda.
Museu Mauritshuis, Haia,-Holanda

Quadro com Sophie van Hanôver (sobrinha de João Maurício), vestida como índia sul-americana, pintado em 1652, por sua irmã Louise Hollandina do Palatinado
Em 13 de junho de 1654, João Maurício presenteia seu primo, o rei Frederico III da Dinamarca, com 26 pinturas a óleo, sendo 24 quadros de Albert Eckhout, além de outros objetos oriundos do Brasil, recebendo a comenda da Ordem Real do Elefante Branco da Dinamarca. Todas estas coincidências são, na minha opinião, mais do que convincentes para poder concluir que os mantos tupinambá estavam na bagagem pessoal de João Maurício quando ele voltou em definitivo para Holanda. Ele era um ávido colecionador mas, de volta na Europa, distribuiu generosamente grande parte de sua coleção. ’Generosamente?’ Nem tanto. É melhor dizer ‘de modo politicamente conveniente’, com o intuito de conquistar amizades, prestígio e importância política, pois João Maurício era extremamente vaidoso. Prova desta vaidade está, entre outros, nas suas extravagâncias em construir mais e mais palácios onde quer que ele estivesse, fosse no Brasil, na Holanda ou na Alemanha. A professora Mariana Françozo, da Universidade de Leiden (Holanda), estudou a coleção formada por João Maurício de Nassau, e diz que os mantos eram muito valorizados como símbolos do Novo Mundo e entraram em uso na Europa. “No caso da Holanda, temos registros de pelo menos duas vezes em que mantos de penas, vindos do Brasil, foram usados em festas da nobreza.”
A relação dos beneficiados com um manto Tupinambá são quase todos parentes, com exceção do príncipe Guilherme III que, depois dos príncipes Maurício, Frederico Henrique e Guilherme II, tornou-se o último patrão de João Maurício no exército holandês. Sem dúvida, Maurício quis agradar o casal Guilherme III que se tornou a Casa Real da Inglaterra. Uma sobrinha e um primo em particular, que era rei da Dinamarca, fecham a lista de nada menos que 7 mantos Tupinambá: 5 da Dinamarca (um agora de volta no Brasil), 1 da sobrinha e 1 da rainha da Inglaterra.
Mesmo assim, antes de João Maurício levar os mantos Tupinambá para Europa, já há um relato da presença de um manto Tupinambá na Alemanha. No ano de 1599, na cidade de Wurtemberg, uma pessoa usava o manto Tupinambá para representar a “Rainha da América”.
Este artigo foi escrito por Johan Scheffer e publicado pela ACBH na revista De Regenboog nº 312 em março de 2025.
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