João Maurício De Nassau e a Escravidão (3)

O historiador Piet Emmer , em seu livro Geschiedenis van de Nederlandse slavenhandel (História do Tráfico de Escravos Holandês), revela a origem dos escravos negociados. Ele logo afirma que nenhum comerciante de escravos holandês tentou, pessoalmente, escravizar africanos. Realmente, não existem informações que os próprios comerciantes de escravos tenham tentado escravizar africanos. Eles se limitavam “apenas” a comercializar e transportar os africanos já escravizados.

O linguista alemão Koller também realizou, no século 19, uma pesquisa sobre a origem dos escravos. Ele revelou que 35% dos escravos tinham sido prisioneiros de guerra, 30% tinham sido sequestrados, entre 5 e 10 por cento foram vendidos pela própria família e outros 10% tinham sido condenados à escravidão pela justiça.

Um médico marítimo em um navio holandês, Henri Gallandat (1732-1782), escreveu o livro ‘Noodige Onderrichtingen voor de Slaafhandelaren’ (Instruções Necessárias para os Comerciantes de Escravos). Apesar de se tratar de um livro escrito mais de cem anos após a partida de João Maurício do Brasil, há motivos para acreditar que o que ele descreve já existia havia muito tempo. Além de escrever sobre doenças típicas a bordo de navios negreiros (escorbuto, malária, diarreia etc.), ele explica a origem de um determinado grupo de escravos oriundos do país africano Guiné: “Os principais crimes neste país são punidos com multas. Quando a multa não é paga, o condenado é vendido como escravo. Os devedores, por não terem dinheiro ou por se recusarem de pagar o que devem, são declarados escravos. Raramente são vendidos a europeus, mas mantidos em cárcere até que amigos ou parentes paguem o débito. A maior parte dos negros comercializados já nasceu escravo, ou são prisioneiro de guerra. Antes era costume matar os prisioneiros de guerra, mas quando descobriram que a venda deles era altamente lucrativo, tornou-se hábito de vendê-los o mais rapidamente possível.”

Imagem da capa do Livro de David Henri Gallandat

Esta rapidez na venda nem sempre acontecia. O Castelo de São Jorge da Mina, na região costeira de Gana, servia de ponto de embarque de escravos. João Maurício de Nassau conquistou o Castelo em 1637 e chamou o local de Elmina, que até aquele momento tinha sido um entreposto comercial de Portugal. O local se tornou agora um tipo de campo de concentração de escravos comercializáveis. Quando havia um número suficiente de escravos para lotar um navio, os escravos eram submetidos a exames de saúde e ‘marcados’ com ferro em brasa com as letras WIC, Companhia das Índias Ocidentais.

O médico Gallandat quis tranquilizar os leitores do seu livro, tentando explicar que a escravidão na África tinha uma longa história, muito antes de os europeus aparecerem no continente. Ele é de opinião que a escravidão até melhorou a vida dos africanos, pois sem a escravidão teriam sido mortos. Os adversários da escravidão argumentam que os comerciantes de escravos, na verdade, incentivavam as guerras tribais fornecendo pólvora e armas, pois os perdedores formariam uma nova leva de escravos e que, sem as plantações no Novo Mundo, não teria havido comercialização de escravos.

Vista do Castelo da Mina (Costa do Ouro, Golfo da Guiné) pelo lado noroeste a partir do rio.
Atlas Blaeu – Van der Hem, Johannes Vingboons, 1665 e 1668. [link]

Por falta de arquivos com informações sobre a escravidão na própria África, conhecemos apenas a visão europeia sobre este assunto. Claro está que havia milhões de escravos na África a serviço de reis, nobres e comerciantes ricos cuja “riqueza” poderia ser expressa pelo número de escravos que possuíam. Naquela época não havia indústria, mineração ou empresas que poderiam empregar os escravos, de modo que produziam apenas o próprio sustento depois de entregar parte aos seus donos. O valor comercial dos escravos era baixo entre os próprios africanos até que surgiu a oportunidade lucrativa de comercializar escravos com árabes e europeus. Tudo indica que não foram os holandeses nem outros europeus que inventaram a escravidão, mas contribuíram sim para o aumento da comercialização de escravos. Calcula-se que os dez a doze milhões de escravos transportados por navios europeus não representavam nem metade do total de africanos escravizados no próprio continente. Inicialmente, a origem dos escravos era da região costeira africana, mas a origem lentamente se transferia para o interior, aumentando as despesas (pouso, alimentação, vigilância etc.) dos traficantes durante o transporte até a costa.

A administração dos navios holandeses mostrava claramente onde os escravos eram adquiridos. No início, até 1650, eram duas regiões: Guiné e Angola. O comerciante Bosman, do seu escritório em Elmina, informa: “Os compradores de escravos, às vezes têm que se deslocar 300 quilómetros para o interior, onde visitam os mercados, porque vocês devem saber que aqui têm mercados de gente, como nós temos mercados de animais.”

Calcula-se que durante o período holandês, cerca de 23.000 escravos foram importados. E qual a posição da igreja diante da escravidão? “No início do governo de Nassau, o pastor Jacobus Dapper, em Recife, já colocou a questão, perguntando se era lícito a um cristão negociar ou possuir escravos. O posição de João Maurício era de que seria impossível fazer algo no Brasil sem ajuda de escravos. E se alguém se sentisse com a consciência culpada, seria somente por causa de escrúpulos desnecessários.
Deste forma, Nassau adotou uma posição em conformidade com o pensamento da época, mas contrária ao pensamento do pai intelectual da Companhia, o belga Usselincx, e do pai espiritual da Igreja Reformada, o francês João Calvino.” *

Fonte: Geschiedenis van de Nederlandse slavenhandel: Piet Emmer
*Igreja e Estado no Brasil Holandês 1630-1654 (página 215) por Frans Leonard Schalkwijk

Imagem de escravos sendo transportados do interior. [link]

Este artigo foi escrito por Johan Scheffer e publicado pela ACBH na revista De Regenboog nº 303 junho 2024.

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