A Casa de Maurício I Het Mauritshuis (1)
João Maurício era o exemplo perfeito de um cidadão de quem o holandês diz que “ele tem um buraco na mão”. Com isso se quer dizer que João Maurício gastava mais do que ele possuía. O dinheiro que recebia desaparecia como neve no sol. Estava deslumbrado e era seduzido a imitar a pompa na corte do seu patrão Frederik Hendrik? Difícil de explicar.
Fato é que a vida na corte de Haia tinha se transformado radicalmente, depois da morte em 1625 do príncipe Maurício (Maurits), meio-irmão mais velho de Frederico Henrique (Frederik Hendrik).
Frederik Hendrik era casado com Amália van Solms que exerceu forte influência sobre o marido. Ela queria que a corte em Haia se tornasse igual, ou ao menos parecida, às casas reais da Europa. O casal conseguiu que um filho deles se casasse com uma princesa inglesa e que uma filha se casasse com o ‘Grande Eleitor’ de Brandenburgo.
A vida na corte também tomou ares de monarquia, tornando a corte o centro cultural da Holanda. Amália e Frederico adquiriram inúmeras obras de arte: quadros, esculturas, pedras preciosas, porcelanas, como também fizeram construir vários palácios, entre eles Huis ten Bosch. Bailes mascarados e apresentações musicais e teatrais completavam a vida na corte.
Frederik Hendrik e Amália van Solms.
Pintura feita por volta de 1637/1638, pelo pintor Gerard van Honthorst (1592-1656). Mauritshuis – Haia.
Louise de Coligny.
Pintor desconhecido.
Amalia van Solms (1602-1675) era dama de corte de Elisabeth Stuart (filha do rei Jacobus I da Inglaterra) e do príncipe eleitor Frederico V do Palts. Este foi eleito rei da Boêmia em 1619, mas destronado em 1620. Por causa do curto período do seu reinado, apenas um inverno, recebeu o apelido de “Rei do Inverno = Winterkoning”. Por seu parentesco com a família Nassau (a mãe dele era Louise Juliana, filha de Guilherme de Nassau e, portanto, meia-irmã de Frederico Henrique), ele se refugiou em Haia com sua numerosa família e comitiva.
Sob pressão do príncipe Maurício, Frederico Henrique se casou com Amália van Solms. Os dois meios-irmãos (Maurício e Frederico Henrique) nunca mostraram muita vontade de casar, mas tiveram várias amantes e filhos bastardos. Maurício tinha medo que a família Nassau não teria herdeiros legais.
A mãe de Frederico Henrique, Louise de Coligny, colaborou ativamente com os planos do casal. Sendo ela de origem francesa, conseguiu que Frederik Hendrik ficasse por quase dois anos na corte do rei francês Henri IV, o qual, em 1637, lhe deu o título de ‘Son Altesse’ (Sua Alteza), título esse somente concedido a reis governantes.
Era neste ambiente que João Maurício passava os invernos, pois nesta época do ano era difícil travar batalhas por causa do clima.
Em certo momento Frederico Henrique queria reformar a sua residência oficial na cidade de Haia e, precisando de financiamento, começou a vender lotes do seu jardim. João Maurício foi um dos compradores, em 1633. Desta forma tornou-se vizinho de Constantijn Huygens, secretário de Frederik Hendrik. Huygens receberia um lote de presente, em 1634.
João Maurício resolveu construir uma residência aristocrática. Nesta época ele até tinha algum dinheiro, resultado da herança do seu pai. O projeto da casa possui clara influência de Huygens, do próprio João Maurício, e foi elaborado por Jacob van Campen. A construção propriamente dita foi executada por seu colega mais jovem Pieter Post.
Frederik Hendrik e seu secretário Constantijn Huygens tiveram, sem dúvida, forte influência cultural sobre João Maurício. Exemplos disso podem ser encontrados no Brasil e na cidade de Cleves (Alemanha). Huygens era entendido em muitos assuntos: música, artes plásticas, arquitetura e ainda era um talentoso escritor e poeta. Huygens fazia parte do Muiderkring, um grupo de escritores e intelectuais que se reuniam com regularidade. Entre eles encontravam-se o mais famoso poeta holandês, Joost van den Vondel, e Caspar van Baerle que, sob o nome latino Barlaeus, iria escrever a história de João Maurício de Nassau no Brasil. Huygens e Frederik Hendrik também são considerados os estimuladores das carreiras de Rembrandt e do arquiteto Jacob van Campen. A grande dedicação de Frederik Hendrik à arquitetura paisagística será encontrada mais tarde também em João Maurício.
Constantijn Huygens.
Pintor Michiel Jansz van Mierevelt (1641). Huygensmuseum Hofwijck, em Voorburg.
A casa deveria ser construída dentro de dois anos, sob pena de uma multa por cada ano de atraso. Não se sabe se João Maurício chegou a pagar esta multa, pois a construção terminou em 1644! A casa do vizinho Huygens já estava pronta em 1637! A demora na construção de João Maurício, obviamente, tinha a ver com sua situação financeira que já não era mais tão cor de rosa. Outro motivo pela demora foi a sua ida ao Brasil, o que tornou a construção menos urgente. Entre outros motivos considero que foi a necessidade financeira que fez João Maurício aceitar a nomeação para o Brasil. Além de um excelente salário, ele receberia uma porcentagem sobre a venda do açúcar produzido no Brasil.
Uma animada correspondência entre João Maurício e Huygens desenvolveu-se enquanto João Maurício estava no Brasil. De certa forma, Huygens ficou com a supervisão sobre a obra. Esta colaboração já tinha começado em 1634, quando os dois compraram, em conjunto, material de construção. Não economizaram dinheiro, pois importaram material da Alemanha: pedras, telhas de ardósia e 300 carvalhos para a parte da madeira.
Uma vez no Brasil, João Maurício não demorou em enviar madeiras desconhecidas na Europa, para serem usadas na construção. Em novembro de 1637, Huygens escreve: ”Estamos aguardando ansiosamente os belos materiais que você prometeu enviar e que poderiam servir para a construção de um pequeno templo de Salomão”.
João Maurício, a partir do Brasil, financiou a construção da sua casa em parte com as remessas de açúcar. Os diretores da Companhia das Índias Ocidentais, o novo patrão de João Maurício, não estavam muito contentes com a construção desta casa. Desconfiavam que havia dinheiro desviado em jogo e chamavam a casa de “maison du sucre = a casa de açúcar”.
Este artigo foi escrito por Johan Scheffer e publicado pela ACBH na revista De Regenboog nº 276 março 2022.
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