Bernardo Bomba (3) – Bommen Berend
Historiadores costumam resumir a situação da Holanda em 1672 da seguinte maneira: o povo agia irracionalmente, o governo estava desesperado e o país desemparado (redeloos, radeloos, reddeloos). Não era para menos. Holanda era atacada por quatro inimigos ao mesmo tempo: Inglaterra, França, Colônia e, pasmem, o bispo de Münster novamente. Os motivos para estes ataques eram variados: comerciais, controle das rotas marítimas, conquista de terras e poder político. Pode-se dizer que a situação calamitosa era direta e indiretamente culpa do príncipe Guilherme II, filho e sucessor do príncipe Frederico Henrique. Amália van Solms, muito calculista, esposa de Frederico Henrique e mãe de Guilherme II, articulou para que seu filho, aos 15 anos, já estivesse casado com a filha do rei inglês Charles I, da casa Stuart. A filha Mary tinha então apenas 9 anos! Como sucessor do seu pai, Guilherme II se tornou governante (stadhouder) de várias províncias da Holanda. Nascido em 1626, morreu de varíola aos 24 anos de idade. Oito dias após sua morte, nasceu o futuro herdeiro Guilherme III. Durante o governo de Guilherme II, havia dois partidos: os orangistas (defensores da casa Orange-Nassau) e os republicanos ou estadistas, defensores de uma república governada por aqueles que se consideravam os “melhores cidadãos da Holanda”, portanto, a elite.
A morte precoce de Guilherme II e a ausência de um sucessor imediato deram aos republicanos a oportunidade de tomar o poder. O exército unificado sob Guilherme II desapareceu e cada província mantinha um exército mínimo. Esta situação permaneceu durante 22 anos. Em 1672, Guilherme III foi nomeado stadhouder e capitão-general do exército enfraquecido. A guerra contra Inglaterra se desenrolava no mar. Para se defender da invasão francesa, grandes áreas foram inundadas para impedir o avanço das tropas inimigas. Esta tática para usar a água como aliada é a famosa ‘Linha de Água Holandesa’ (Hollandse Waterlinie). Poucos conhecem a ‘Linha de Água da Frísia’, província no norte da Holanda.
No dia 1º de junho de 1672, as tropas de Bernardo e do bispo de Colônia, reforçadas com algumas companhias francesas, invadiram o Leste da Holanda com 30.000 soldados. Em 9 de junho, conquistaram a cidade de Grol (Groenlo). Bernardo bombardeou a cidade intensamente, usando oito morteiros que dispararam 287 bombas. Bernardo usava um novo tipo de bomba, composta por uma armação de ferro, coberta por um saco de linho e ‘carregada’ com piche, óleo e pólvora. A cidade se defendeu heroicamente, mas a população, assustada pelo imenso barulho e incêndios das bombas, concordou com a rendição. A maioria da cidade já era católica e se considerava politicamente e religiosamente mais próxima de Münster do que dos holandeses.
Guilherme II de Orange-Nassau (1626-1650) e Mary Stuart (1631-1660)
Pintado em 1647, por Gerard van Honthorst (1592-1656)
Rijksmuseum Amsterdam
Canhão usado na defesa da Frísia
Encontrado em 1979, restaurado e em permanente exposição em Oldeberkoop
A cidade de Coevorden se rendeu no dia 11 de julho, após ficar sitiada por 11 dias. Não demorou muito e Bernardo já se encontrava a caminho da Frísia e Groninga, no Norte da Holanda, onde, na opinião dele, havia terras que pertenciam a ele. Conquistou sucessivamente as cidades Hattem, Elburg, Harderwijk, Deventer, Zwolle, Kampen, Hasselt, Rouveen, Zwartsluis e Staphorst. A maioria destas cidades já conhecia Bernardo da Primeira Guerra de Münster, quando ele seguiu quase o mesmo percurso. Até Urk, naquela época ainda uma ilha, sofreu um ataque que foi revidado pela população. Já na província da Frísia, Bernardo e suas tropas foram barrados na cidade de Heerenveen, pelo exército sob o comando do marechal de campo João Maurício de Nassau. Mesmo com idade avançada e sofrendo de reumatismo, ele defendeu a cidade que faz parte da ‘Linha de Água da Frísia’. Esta linha foi construída a partir de 1580, para conter as tropas espanholas. Esta linha faz parte de um sistema de defesa que, em linha diagonal, corria do então Zuiderzee (hoje IJsselmeer) até o estuário do rio Eems, na província de Groninga. A conservação desta linha deixava a desejar, mas pela insistência de Albertine Agnes de Nassau (veja capítulo O Afogamento) e os líderes militares tenente-almirante Hans Willem van Aylva e general Carl von Rabenhaupt, foi rapidamente reforçada. Ao longo de vários pequenos rios, foram construídas barragens e eclusas foram fechadas. Desta forma, o nível dos rios subia e as águas inundaram grandes áreas. Eclusas são usadas, entre outros, para controlar o nível das águas, e formam dois conjuntos de portas dentro do rio. Os fazendeiros, contrariados pela inundação de suas terras, não hesitaram em sabotar este plano de defesa e abriam as comportas à noite, para escoar a água. Não demorou muito e João Maurício mandou aterrar as eclusas, impedindo assim que a água escoasse e fazendo subir o nível dos rios novamente. Outro motivo da ira dos fazendeiros foi a abertura das eclusas no Norte da Frísia fazendo com que água salgada do Mar do Norte entrasse e inundasse as terras. Normalmente as eclusas eram abertas para as águas doces escoarem na maré baixa. Na maré alta, porém, as eclusas eram fechadas para que as águas salgadas não entrassem. Abrindo as mesmas na maré alta, a água salgada invadia as terras. Nos pontos estratégicos mandou construir fortificações para impedir o avanço do inimigo.
Canhão usado na defesa da Frísia
Encontrado em 1979, restaurado e em permanente exposição em Oldeberkoop
Medalha
Vendo os seus esforços frustrados, Bernardo se dirigiu mais ao norte. A tentativa de conquistar a fortificação Bourtange foi um fracasso. Novamente águas e pântanos obrigam Bernardo a seguir a única rota que tinha sobrado para chegar à cidade de Groninga, capital do estado do mesmo nome. Em 24 de julho, Bernardo chega, pelo sul, até a cidade. Depois que todas as tropas foram reunidas, começaram o sítio e os bombardeios incessantes à cidade. Os projéteis são variados: bombas que espalham um fedor impressionante, granadas e balas incendiárias causando inúmeros incêndios. Foram efetuados em torno de 9000 tiros. Muitos canhões foram inutilizados por causa do peso excessivo das bombas. Sob o comando de Carl von Rabenhaupt, a cidade estava bem preparada para enfrentar a ofensiva de Bernardo: as fortificações tinham sido restauradas e as pontes de acesso demolidas. Os acessos por vias fluviais continuavam nas mãos dos soldados holandeses, garantindo o abastecimento da cidade e sua população.
Os estudantes da universidade se ofereceram para ajudar a defender a cidade e foram mobilizados como sentinelas. Mais tarde, após a guerra, foram agraciados com uma medalha.
Bernardo não foi bem sucedido: pelas constantes chuvas, as trincheiras se encheram de água; seu exército de 24.000 soldados foi reduzido à metade por morte, prisão ou deserção. Um grande número dos soldados que restaram estava doente, incapaz de lutar. Após o sítio à cidade, foram encontrados 1400 soldados feridos num barracão. Aqueles que não tinham nenhuma chance de sobreviver foram sumariamente executados. Não restou outra opção para Bernardo do que a retirada do que restou das suas tropas. Novamente sob o comando de Von Rabenhaupt, os soldados holandeses reconquistaram a cidade de Coevorden no dia 30 de dezembro de 1672. O ataque à cidade tinha sido adiado em um dia porque os soldados dele estavam bêbados demais (!). 600 soldados de Bernardo foram presos, 85 canhões caíram nas mãos do exército holandês. Quando Bernardo recebeu esta mensagem ficou tão irado que mandou executar o mensageiro.
O ano de 1673 foi caracterizado por ataques e batalhas dispersas nas províncias de Frísia, Groninga e Drenthe. Mais uma vez, Bernardo tenta reconquistar a cidade de Coevorden. Faz construir uma barragem no rio Vecht, cujas águas inundam a cidade. Uma tempestade, porém, desfaz a barragem e 1400 dos seus próprios soldados morreram afogadas e a cidade se livrou da inundação.
A consequência destas batalhas, dos soldados saqueadores e da peste, principalmente nas províncias a Leste da Holanda, era o despovoamento por causa da fuga dos seus habitantes para lugares mais seguros. Na medida em que o interior se esvaziava, os lobos avançam e se multiplicavam de tal forma que, em 1675, o governo oferecia recompensas em dinheiro para quem matava os lobos. É desta época que datam as histórias folclóricas de que lobos deram cria na cama de um fazendeiro e que árvores saíam pelos chaminés (!).
Em março de 1674. Bernardo tenta mais uma vez conquistar a cidade de Groninga, mas em abril do mesmo ano é forçado a assinar o acordo de paz com a República da Holanda. No mês de maio de 1674, as últimas tropas de Münster se retiram após uma ocupação de quase dois anos.
Fontes: Canon van Nederland (canonvannederland.nl); Wikipedia; nazatendevries.nl e De Friese Waterlinie – Meindert Schroor.
Este artigo foi escrito por Johan Scheffer e publicado pela ACBH na revista De Regenboog nº 293 agosto 2023.
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