João Maurício de Nassau: Encerrando a carreira

No início do ano de 1676, João Maurício resolve encerrar sua carreira militar na função de marechal de campo. Aos 72 anos de idade ele se retira do serviço ativo, pois se sente sem condições físicas de fazer longas viagens para inspecionar as tropas.

O príncipe Guilherme III de Orange-Nassau lhe permite escolher uma nova moradia. João Maurício logo comunica que vai voltar para Cleves, onde já tinha sido governador. Na primavera do mesmo ano, João Maurício fica cinco semanas acamado, sofrendo de um antigo problema de saúde: pedras nos rins. Também se queixa de fortes dores no peito, provável sequela do acidente sofrido em 1665, na cidade de Franeker, quando uma ponte desabou. Nesta ocasião ele recebeu muitas patadas dos cavalos que caíram em cima dele. O próprio João Maurício declara que não consegue mais andar nem cem passos sem ter que parar para respirar.

Logo ele se muda da sua residência Prinzenhof para Papenberg, na vila próxima de Bergendael, onde ele fez construir uma ‘Hütte’, uma cabana. As refeições lhe são preparadas pela cozinha do palácio do príncipe Friedrich von Brandenburg.

Cada vez mais João Maurício pensa na sua morte e, em novembro de 1677, pede ao príncipe um ‘cantinho’ em Bergendael para ele erguer o seu futuro jazigo. Em dezembro do mesmo ano ele descreve a região onde pretende construir este jazigo: há montanhas, vales, pastos, campos, dois rios, dunas de areia, urzal (heide), alamedas com milhares de árvores com 40, 35 e 20 pés de altura, há uma pequena cascata rodeada por 21 fontes de onde jorra água dia e noite, um miraculum mundi….

A resposta positiva já vem em janeiro de 1678. O príncipe, além dos votos para o ano novo, escreve “não poder compreender porque João Maurício vai morar numa cabana de tábuas, pois é muito frio.”
Desenvolve-se uma correspondência ativa entre João Maurício e o pastor Nappius que lhe serviu por muitos anos durante as campanhas militares. “Onde está agora o senhor Nappius, que faz oração de manhã e de noite, nos domingos nos ensina, e nos repreende pela graça de Deus. Gostaria que viesse me visitar.”

João Maurício não está sem assistência espiritual em Cleves. Ele tem muitas conversas com o pastor local sobre o fim da vida e sobre a sua participação na construção da igreja reformada em Cleves. O pastor Nappius, morando na cidade de Harlingen, da província Frísia, lhe responde em maio de 1678. “Sua Graça é de opinião que a sua morte não está distante, mas bem próxima. Sua Alteza realizou ações magnânimas aqui e no mundo brasileiro, mas a próxima ação é a mais magnânima: enfrentar com coragem o último inimigo, a morte. Faça de Bergendael o monte Sião, da sua casa a casa de Deus, do seu quarto uma igreja, como fazia quando morava em Haia. Bem que eu gostaria de visitar Sua Alteza.”

Placa comemorativa pelos 300 anos da morte de João Maurício e a inauguração, em 1979, do jazigo restaurado.
Foto do autor

João Maurício estava absolutamente convencido de que a família Nassau tinha uma origem romana. Esta ideia era fortalecida pelos muitos achados de vasos e outros objetos de origem romana na região onde ele nasceu, o condado Nassau. Ele fez construir um muro em semicírculo onde ele pôs à vista os vasos e objetos encontrados. Por causa de vandalismo, as peças originais foram substituídas por réplicas. Os originais encontram-se em museus. Ao fundo, o jazigo inicial de João Maurício.
Foto do autor

Igreja Nicolai em Siegen

Logo depois da confecção do seu jazigo, João Maurício fica gravemente doente por causa de um ataque de malária, resultado de uma epidemia que reinava na Holanda nas décadas de sessenta e setenta do século XVI. No seu testamento de setembro de 1678 é anexado um codicilo (averbação), que diz: “Coube ao Senhor Poderoso de me punir, pobre pecador, com uma grave doença que demonstra claramente que a morte está próxima.”

O que chama a atenção é que João Maurício, em nenhum momento, pensa em ser enterrado na Igreja Nicolai, na cidade de Siegen. É nesta igreja que, desde 1617, se encontravam os jazigos de vários membros da família Nassau. É nesta igreja que se encontram também vários utensílios valiosos de prata que são usados por ocasião de batismo e Santa Ceia. Uma das peças mais valiosas é um precioso prato de prata dourada, presenteado à igreja por João Maurício e hoje usado como pia batismal. João Maurício, por sua vez, recebeu a preciosidade do rei de Congo, Garcia II Nkanga. O prato foi trazido por uma missão diplomática congolesa para Recife em maio de 1643. O prato, ornamentado por lhamas, foi confeccionado no Peru, no fim do século XVI. Os diplomatas congoleses receberam vários presentes para levar para o rei do Congo, entre outros, um chapéu de pele de castor (bever). Além do prato, João Maurício recebeu 200 escravos!

Pia batismal

Em maio de 1679, o pastor Nappius se prepara para viajar mais uma vez até Cleves. Ele espera visitar a nova igreja reformada, mas acima de tudo “o Templo em Bergendael” para ali cantar: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra.” A saúde de João Maurício melhora e ele já elabora novos planos: ele gostaria de enfeitar Bergendael com quadros e objetos que vieram do Brasil. Porém, muitos originais ele já tinha dado como presentes. Através de um intermediário em Copenhagen faz chegar uma carta ao rei da Dinamarca: “Senhor, por causa da nossa idade, moramos num lugar muito isolado, para fugir do mundo e das guerras. Este lugar parece uma selva e nós gostaríamos de ter em nossa casa pinturas de todos os povos selvagens que nós comandamos no Brasil.” O intermediário responde dizendo que ele conversou com o rei sobre os quadros dos brasilianos, tapuias, mulatos e mamelucas, pedindo a devolução destes quadros pintados por Eckhout. O rei não quer se desfazer dos quadros doados ao seu pai, mas se dispõe a colocar um bom pintor à disposição para fazer cópias. Esta proposta do rei acabou não sendo executada, por causa do falecimento de João Maurício.

Da cidade de Haia, João Maurício recebe binóculos. Uma carta anexada ao presente diz: “Espero que Sua Alteza possa usar estes binóculos por muitos anos. É uma nova invenção e o mestre que confeccionou estes binóculos faleceu.” O autor da carta também menciona que uma cadeira portátil está pronta e será enviada o quanto antes. É Interessante observar que, após a morte de João Maurício, o inventário menciona uma ‘cadeira com quatros rodas’.

Apesar de estar preso a uma cadeira de rodas para se locomover, João Maurício continua lúcido. Em 19 de dezembro de 1679, ele dá verbalmente as últimas instruções, anotadas pelo conselheiro do governo de Cleves, De Beyer. Um dia depois o mesmo é chamado em Bergendael e é informado que João Maurício falecera havia 9 horas. O príncipe Wilhelm Moritz, sobrinho de João Maurício, informa o governo de Cleves de que maneira devem ocorrer o enterro e as solenidades, que acontecem apenas no dia 6 de março de 1680. Wilhelm Moritz informa que o sepultamento deve acontecer no jazigo em Bergendael, para prestar a última homenagem…. O translado definitivo para Siegen acontece em novembro do mesmo ano.

Fontes:
Soweit Der Erdkreis Reicht: vários autores
Op het spoor van Nassau en Oranje in Siegen: Gesellschaft für Stadtmarketing/ Fremdenverkehr

Este artigo foi escrito por Johan Scheffer e publicado pela ACBH na revista De Regenboog

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