Maurícia e Frederica / Mauritsstad en Frederikstad
Em 25 de outubro de 1636, uma pequena frota partiu da ilha de Texel na Holanda em direção ao Brasil. A partir do navio Zutphen, Maurício de Nassau comandava a frota, bem menor do que lhe fora prometido. Fortes tempestades obrigaram os navios a procurar abrigo na Inglaterra. Quase três meses depois, em 23 de janeiro de 1637, Maurício chegou a Recife, com 12 navios e 3000 homens. Logo se estabeleceu na ilha Antônio Vaz, localizada em frente a Recife, na foz do rio Capibaribe.
A ilha era quase deserta. Havia apenas um convento franciscano e poucos moradores. Durante a primeira invasão dos holandeses, em 1630, o convento já tinha sido transformado em uma fortificação, chamado Forte Ernesto. Foi neste mesmo ano que o comandante holandês Diederik van Waerdenburch iniciou a construção do forte Frederik Hendrik ou São Tiago das Cinco Pontas. Este forte existe até o dia de hoje.
Maurício logo começou a reforçar o sistema de defesa da ilha e, ao mesmo tempo, iniciou a sua urbanização. A ilha Antônio Vaz seria a sede do governo de Maurício e, consequentemente, haveria um considerável aumento de moradores. Foi com esta intenção que Maurício mandou drenar a parte pantanosa, fez construir diques, ruas, casas e edifícios.
O projeto de urbanização da ilha Antônio Vaz é muitas vezes atribuído ao arquiteto holandês Pieter Post, irmão mais velho do pintor Frans Post, que integrava a comitiva de João Maurício. Alguns historiadores até são de opinião que Pieter Post esteve durante algum tempo na ilha, outros negam. Apesar de esta polêmica ser de menor importância, considero pouco provável que Pieter Post tenha estado no Brasil holandês. Os argumentos são vários: em nenhuma relação de obras elaboradas por Pieter Post consta algum trabalho realizado por ele no Brasil. Em segundo lugar, não há nenhuma prova que ele, alguma vez, se ocupou de projetos urbanísticos. Existe, sim, a remota possibilidade de ele ter recebido um mapa da Ilha e, a partir dali ter desenhado algum plano urbanístico, mas não há nenhuma prova disso. Em terceiro lugar: Pieter Post estava por demais ocupado com a construção do palacete de João Maurício, a Mauritshuis, em Haia; essa construção ocorreu exatamente durante a estadia de João Maurício no Brasil. Grande parte da madeira usada na construção veio do Brasil, mas a escolha desta madeira não dependia da presença de Pieter Post, porque havia pessoas competentes na comitiva de João Maurício. Teoricamente existe a possibilidade de João Maurício ter enviado algumas amostras de madeira brasileira para Pieter Post examinar e escolher alguma espécie para a construção, mas não há nenhum indício de que isso tenha ocorrido. Eu considero que o argumento mais forte para contestar a presença de Pieter Post no Brasil é que Gaspar Barléu, no seu livro “História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e n’outras partes sob o governo do ilustríssimo João Maurício de Nassau”, (1) não ter feito nenhuma menção à presença de Post. Isto seria, no mínimo, estranho, pois o livro se baseia em documentos fornecidos por João Maurício e ele não deixaria de citar a presença do seu arquiteto no Brasil.
Outra discussão envolve o nome que foi dado à urbanização da ilha Antônio Vaz. Há vários nomes: Maurícia, Mauricéia, Mauritiopolis e, em holandês, Mauritsstad. Até os pequenos guias de turistas em Recife mencionam o nome de João Maurício como sendo a origem do nome Mauritiopolis.
Muitos historiadores ficarão desapontados, pois parece que estamos diante de uma lenda! A confusão é facilmente explicável: o príncipe Maurício de Nassau é confundido com o conde (João) Maurício de Nassau-Siegen. De acordo com o historiador Erwin Walter Palm “nem Cortés nem Pizarro ou um conquistador português tiveram a coragem de darem o seu nome a uma cidade por eles construída. Que a América tem o nome de (Américo) Vespúcio é uma homenagem de um cartógrafo desconhecido.” (2)
Mauritiopolis
Gravura de Frans Post. Aroldus Montanus (1625-1683) escreveu a obra ‘América’, impresso em 1671 em Amsterdã. Quinze desenhos de Frans Post, anteriormente publicados na edição original de Gaspar Barléu em 1647, tornaram a aparecer nesta obra. É por este motivo que esta gravura é atribuída tanto a Frans Post como a Aroldus Montanus.
Frederikstad – Paraiba
Quadro de Frans Post, pertencente ao acervo do Museu Britânico, em Londres.
Quadro com os meios-irmãos Maurits (à esquerda) e Frederik Hendrik de Orange-Nassau visitando um acampamento militar. Pintor desconhecido.
Rijksmuseum – Amsterdam
Quando ainda sabemos que a atual cidade João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, durante a ocupação holandesa se chamava Frederikstad, Frederica e Frederico, a lógica nos diz que Mauritsstad deve seu nome ao príncipe Maurits. Frederik Hendrik e Maurits eram príncipes de Oranje-Nassau e meios-irmãos, filhos de Guilherme de Nassau. João Maurício recebeu as primeiras lições militares práticas de Maurits e, após a morte deste, de Frederik Hendrik. Os dois irmãos eram os patrões de João Maurício e com quase toda certeza foram homenageados por seu “aluno” João Maurício, com anuência dos diretores da WIC (West Indische Compagnie – Companhia das Índias Ocidentais).
1. O citado livro tem uma tradução recente (da versão inglesa) para o português e é editado pela editora Cepe (Companhia Editora de Pernambuco).
Atenção: O preço do livro é acessível, mas as despesas com os correios são mais altas!!!
2.”Überlegungen zur Mauritiopolis-Recife”
Erwin Walter Palm (1910-1988) nasceu na Alemanha. Observando o crescente antissemitismo (a sua família inteira foi exterminada durante o regime de Hitler) mudou-se para Itália e Inglaterra e finalmente para a República Dominicana. Como historiador especializou-se na história da América-Latina. Voltou em 1954 para Alemanha.
Este artigo foi escrito por Johan Scheffer e publicado pela ACBH na revista De Regenboog nº 273 dezembro 2021.
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