O antigo homem de ferro
Anfiteatro nos Jardins de Cleves (Kleef)
Fonte: Desenho de Jan van Call (1656-1706)
Foi em 1650 que João Maurício começou a formar os ainda existentes Jardins de Cleves, na Alemanha. Seu braço direito era o arquiteto Jacob van Campen que também tinha construído a Casa de Maurício (Mauritshuis) na cidade de Haia, na Holanda. João Maurício tinha sido nomeado governador de Cleves e, desde 1647, estava a serviço de Frederico Guilherme de Brandemburgo, Príncipe Eleitor* e duque da Prússia. Frederico (1620-1688) era velho conhecido e amigo de João Maurício. Aos 16 anos ele visitou João Maurício quando este estava reconquistando a fortaleza de Schenkenschans dos espanhóis.
Monumentos compunham uma importante parte da configuração dos Jardins. Um dos monumentos foi erguido na Springenberg, perto do jardim zoológico, também obra de João Maurício. O monumento em questão logo recebeu o nome de ‘Homem de Ferro’. Era composto da seguinte forma: no topo um guerreiro com couraça (armadura) e esporas, em cima de uma bala de ferro de canhão. As mãos seguram uma espada e uma clava. A coluna de pedra de 12 metros de altura se apoia em outras balas de canhão e uma pedra de moinho. Na borda desta pedra, apoiada por dois canhões, estava escrito “Omnes Natura Iudices, Non Artificis Fecit.” (A natureza tornou todas as pessoas críticos, mas nem todos se tornaram artistas).
Está enganado quem pensa que a estátua simboliza a guerra. É exatamente o contrário. De acordo com vários autores que escreveram sobre os Jardins, a estátua expressa a seguinte ideia: “A guerra terminou, as armas são penduradas”. A poetisa Maria van Akerlaecken, que dedicou várias poesias a João Maurício, chama o ‘Homem de Ferro’ de ‘Marte de Ferro’. Marte é o deus da guerra. Nas palavras dela: “A armadura, antes assustador como o trovão, agora se tornou um sinal da doce paz”. O monumento como um todo expressa esta paz: balas e canhões encostados, um guerreiro descansando, contemplando uma região bucólica. Da mesma forma pode alimentar a ideia de que guerras, às vezes, são necessárias para manter ou obter a paz.
De onde veio e de quem era a armadura originalmente? É o poeta Vondel que fornece a resposta: é de Maarten Schenk, considerado arqui-inimigo da cidade de Nimega (Nijmegen). A armadura estava exposta permanentemente na sala de reuniões do conselho municipal. De acordo com o poeta, João Maurício teria recebido a armadura por seus atos de bravura na reconquista da fortaleza Schenkenschans. Schenkenschans situava-se no local onde os rios Reno e Waal se dividem e era uma poderosa arma no controle do transporte fluvial destes rios. Era cobrado pedágio e muitos consideravam Schenkenschans a “chave da República” holandesa. Foi Maarten Schenk que em 1586 construiu esta fortificação que depois recebeu o nome dele.
Mas afinal, quem era este Maarten Schenk von Nydeggen (ou Nydeck)?
Maarten Schenk, senhor de Afferden e Bleijenbeek, era um mercenário, um soldado de aluguel. Ele nasceu por volta de 1540, na pequena cidade de Goch, perto da cidade de Cleves. Era descendente de uma linha de filhos bastardos (nascidos fora de casamento regularizado). Seus pais eram Dietrich Schenk von Nydeggen e Anna von Berlaer. A propriedade Bleijenbeek, localizada em Afferden (província de Limburg/Holanda), tinha sido tomado do seu avô em 1549. Maarten conseguiu recuperá-la em 1576 e usou a propriedade como base para suas atividades militares.
Maarten Schenk von Nydeggen.
Fonte: (pintor desconhecido)
Com seu exército de aluguel, saqueava e roubava o que estivesse pela frente. Era um homem extremamente cruel e sanguinário e até matava soldados prisioneiros. Fez tudo isso para manter seu exército que, em dado momento, chegou a contar 4000 soldados. Começou a lutar em 1576 para as tropas holandesas, na guerra contra a Espanha (1568-1648). Quando as autoridades holandesas o obrigaram a devolver Bleijenbeek ao proprietário anterior, optou para ‘trabalhar’ para Espanha. Em 1580, conseguiu derrotar as tropas holandesas que estavam sitiando a cidade de Groningen. Em 1582 foi preso pelos holandeses e libertado em 1584. Em 1585, voltou a integrar as tropas holandesas. Apesar das constantes discordâncias fechou novamente um acordo com o Staten-Generaal**, mas sempre visando a recuperação de Bleijenbleek, considerado por ele como antigo patrimônio da família.
De onde veio esta insistência, esta teimosia? O que tinha acontecido no passado? A resposta é a seguinte: o nome do bisavô de Maarten Schenk era Dirk, dono de Bleijenbleek. Dirk tinha três mulheres, mas não era casado oficialmente com nenhuma delas. Com uma das mulheres, Aleid Custers, ele tinha oito filhos e, para garantir a herança destes filhos, chamou um padre e casou com Aleid pouco antes de morrer. Parece que até um tabelião, equilibrando-se numa escada encostada na janela, teria servido de testemunha. Nem as autoridades, nem o papa, reconheceram este casamento e o castelo Bleijenbeek se tornou herança da filha do irmão mais velho do bisavô Dirk. Maarten Schenk achou esta decisão injusta e durante a sua curta vida lutou de todas as maneiras para obter o castelo de volta.
Em suas incursões para roubar, Maarten Schenk tentou por três vezes atacar a cidade de Nimega e fracassou as três vezes. A última tentativa lhe custou sua vida. Na noite de 10 de agosto de 1589, partiu de sua base Schenkenschans com 20 barcos e 50 chatas. Na madrugada do dia 11, invadiu a cidade, mas a população já sabia da vinda dele. Diz a história (ou lenda?) que o povo tinha se vestido de vestes brancas e, com clavas na mão, teria assustado os soldados de Maarten. De qualquer forma, os soldados, e Maarten também, fugiram e pularam nos barcos que estavam esperando no rio Waal. Vários barcos ficaram superlotados, inclusive o barco no qual Maarten pulou. O barco virou e, por causa da armadura, Maarten não conseguiu nadar e morreu afogado. No outro dia, os moradores de Nimega encontraram e reconheceram o corpo. Tomados de ódio e raiva decapitaram e esquartejaram o corpo e penduraram as partes durante oito dias nos portões da cidade. Ele foi enterrado num armazém de pólvora. Em 1591, quando o príncipe Maurício tomou a cidade dos espanhóis, o corpo de Maarten recebeu um funeral de estado. Ele foi enterrado na igreja Sint Stevenskerk, mas o lugar exato do túmulo é desconhecido.
O monumento do “Homem de Ferro”, infelizmente, foi destruído pelas tropas francesas em 1795.
Ataque mal sucedido de Maarten Schenk à cidade de Nimega nos dias 10 e 11/08 de 1589.
Fonte: Gravura de Jan (Johannes) Luyken (1649-1712), no Rijksmuseum Amsterdam.
Ruínas do castelo Bleijenbeek em Afferden.
Fonte: (Wikipedia)
Notas do autor:
* Príncipe Eleitor (Kurfürst/Keurvorst):.Os eleitores ou príncipes foram os membros do colégio eleitoral do Sacro Império Romano-Germânico, tendo desde o século XIII a função de eleger o rei dos Romanos, ou, a partir de meados do século XVI em diante, diretamente o imperador do Sacro Império Romano-Germânico.
** Staten Generaal: colegiado dos representantes dos Estados holandeses, decidindo sobre questões de guerra e finanças, sempre com voto unânime.
O novo homem de ferro
Em 18 de junho de 2004, em comemoração aos 400 anos de nascimento de João Maurício, foi inaugurada a estátua do “Novo Homem de Ferro.” A estátua foi oferecida como presente pela comunidade da cidade de Cleves.
A estátua foi adaptada ao tempo moderno, mas com clara referência à estátua do tempo de João Maurício. O escultor, Stephan Balkenhol (1957), transferiu a ideia de paz para a nova escultura.
Numa base de concreto está uma coluna de ferro fundido. No topo repousa uma esfera (imitando bala de canhão?) dourada. Em cima desta bala está o Novo Homem, não de ferro, mas de bronze: um homem do nosso tempo. Ele veste calça preta e camisa branca. A espada na sua mão direita expressa a ligação com a figura do ‘Homem de Ferro’ original. Por outro lado, remete o homem dos tempos atuais.
O ‘Homem’ de Stephan Balkenhol é um “guerreiro contra sua própria vontade”, segurando uma espada por acaso, desajeitado e muito vulnerável.
Este artigo foi escrito por Johan Scheffer e publicado pela ACBH na revista De Regenboog nº 269, agosto 2021.
Fontes: Portal Rheinische Geschichte/ Wikipedia/ Soweit der Erdkreis reicht
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O novo homem de ferro.
Fonte: Fotos do autor.